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O prosseguimento da cobrança fiscal no contexto da recuperação judicial

2 jul, 2021 | Recuperação Judicial

A Lei nº 14.112/2020 como divisor de águas na recuperação de créditos tributários

Fonte: JOTA.info – 01/07/2021.

Em um cenário de crise bastante agravado pela pandemia de Covid-19, são inúmeros os indicadores das vicissitudes que acometem a economia, a denotarem a vivência de uma agonia econômica que persiste intensa, mesmo apesar dos vultosos incentivos estatais, que não se mostram capazes de amenizá-la, tampouco contê-la.

Diante desse motivo, tem crescido consideravelmente, nos últimos meses, consoante dados da SERASA EXPERIAN[1], os pedidos de recuperação judicial formulados por empresas que, imersas em crise econômico-financeira e, pois, em dificuldades junto a credores, buscam, mediante superação de tal panorama, alçar soerguimento e, via de consequência, a manutenção da sua fonte produtora e dos seus postos de trabalho.

Com isso, volta a se intensificar, no campo jurídico, a pauta atinente ao debate sobre a possível continuidade da cobrança, por parte dos credores públicos e pela via das execuções fiscais da Lei nº 6.830/1980, dos créditos por si titularizados em face das empresas em recuperação judicial, durante todo o processamento dessa.

Nesses termos, sobreleva destacar que, com a edição da Lei de Recuperação e Falência de Empresas, de nº 11.101/2005, em que pese a redação original do seu art. 6º, § 7º, ab initio[2]tem-se travado ampla discussão sobre a matéria, máxime sobre o prisma do princípio da preservação da empresa, fomentando-se, com isso, um cenário que culminou, no ano de 2018, com a afetação, pelo Superior Tribunal de Justiça e sob o Tema nº 987, de recursos especiais representativos da controvérsia à sistemática do julgamento dos recursos repetitivos do art. 1.036 da Lei nº 13.105/2015.

A esse respeito, importa reprisar que, por meio da consagração do tema repetitivo em apreço, a Corte Superior pretende submeter a julgamento, com eficácia vinculante, a “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal de dívida tributária e não tributária”, e, para a garantia de proteção à ordem e à segurança jurídicas, determinara, cautelarmente, sob a normatividade do art. 1.037, inc. II, da Lei nº 13.105/2015, a suspensão nacional de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, versantes sobre a questão.

Sob referido prisma, em um contexto contemporâneo, em que ainda não se encontra resolvido o Tema nº 987, epigrafado, vislumbra-se, sob a jurisdição brasileira, um sem-número de feitos executivos fiscais que, estando em trâmite contemporaneamente à vigência das normas que dão substrato aos recursos especiais representativos da controvérsia, encontram-se suspensos por envolverem o imbróglio acima endereçado.

Contudo, aprofundando-se na disciplina, emana, em momento ainda mais recente, a revisitação da matéria pelo Poder Legislativo, ora por meio da Lei nº 14.112/2020, que, como produto da vontade do povo, reflete as implicações em torno do tema e avaliza, através da inclusão do § 7º-B ao art. 6º da Lei nº 11.101/2005, o prosseguimento das execuções fiscais em face de empresas em recuperação judicial de um modo clara e essencialmente compatibilizado com o princípio da preservação da empresa.

Isso porque o novel parágrafo acima referenciado, ao garantir a continuidade das execuções fiscais em face da empresa em falência ou em recuperação judicial, diversamente do texto original do art. 6º da Lei de Recuperação e Falência de Empresas, não cumpre tal mister por si só.

Mas, sim, compatibiliza o interesse público ligado à arrecadação para custeio das políticas públicas mais caras e primazes com a teleologia do instituto da recuperação judicial, esta vinculada, em síntese, à oferta à empresa de instrumentos legais e tendentes à superação de sua crise empresarial.

Tal é, precisamente, o que se vislumbra por meio de uma analise à lei, de onde se extrai que a continuidade da execução fiscal em face de empresa recuperanda não se dá de per si, isto é, incondicionalmente, mas através da cooperação jurisdicional, com a ressalva da preservação da competência do juízo recuperacional para avaliar e fazer substituir eventuais atos de constrição ocorridos na via executiva fiscal recaídos sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial.

Nesse prisma, não é custoso perceber que a baliza inaugurada pela atualização legislativa em comento supre desequilíbrio manifesto no debate fundante do Tema nº 987 do Superior Tribunal de Justiça, notadamente ao buscar favorecer o soerguimento da empresa em crise sem, de outra banda, ofertar ao credor público um risco desmesurado de irrecuperabilidade de seus créditos, como visto nas execuções suspensas pelo processamento da recuperação judicial de empresas devedoras – dadas, por exemplo, a não sujeição dos créditos tributários à via recuperacional e a dispensa da regularidade fiscal para fins de concessão da recuperação judicial.

Destarte, sob o crivo da virada legislativa em comento, sobretudo à luz da louvável inovação acima endereçada, por via do que se logrou concatenar princípios e valores jurídicos salutares – interesse público e preservação da empresa, diversamente da regência legal anterior, mais positivista –, deve-se concluir, hodiernamente, que não mais subsiste o estancamento das execuções fiscais que têm nos seus polos passivos empresas em recuperação judicial, sequer com alicerce na ordem de sobrestamento oriunda da decisão de afetação do Tema nº 987 da Corte Superior de Justiça.

Com efeito, tem-se que, com a inclusão do § 7º-B ao art. 6º da Lei nº 11.101/2005, ocorrida por meio da Lei nº 14.112/2020, operou-se a exclusão do sistema jurídico da norma conferidora de substrato aos recursos paradigmas vinculados ao Tema nº 987 do Superior Tribunal de Justiça e, com isso, a consectária superação – perda de validade – de tal afetação e do debate travado a respeito da ameaça ofertada pelas execuções fiscais ao princípio recuperacional da preservação das empresas.

Em outros termos, importa asseverar que, conquanto a afetação de tema ao rito de recursos repetitivos tenha por fim a produção de precedente vinculante, eventual reforma do sistema, com alteração de norma em redor da qual se sustenta o debate, tem o condão de tornar natimorto o potencial precedente obrigatório. Isso porque, tão logo surgido, operar-se-ia, quanto a tal norma vinculante, o overruling, como reforçam os enunciados 322 e 324 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC[3].

Referendando, emerge que o raciocínio acima traçado vem despontando com força crescente na jurisprudência, alicerçando acórdãos tais como os emanados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e garantidores do seguimento regular de execuções fiscais movidas pelo Fisco Paulista em face de contribuintes em recuperação judicial, não se podendo olvidar, ademais, de que, com a sessão de julgamento da Primeira Seção do STJ realizada em 23/06/2021[4], houve, à luz do contexto acima tratado, a integral desafetação do Tema nº 987 do Superior Tribunal de Justiça, operando-se, com isso, o desfecho do empecilho associado à temática.

À vista do exposto, resta concluir pela propriedade da inovação legislativa examinada, sobretudo pelo fato de que essa, ao compatibilizar a cobrança de créditos públicos com a recuperação judicial de empresas em crise, prima por uma regência jurídica das recuperações judiciais consentânea com o Estado Constitucional Democrático de Direito.

E, assim, busca a recuperação de empresas viáveis e cumpridoras de suas funções sociais sem o comprometimento do interesse público primário ou a negação de vigência à isonomia ou ao dever fundamental de pagar tributo e, ainda, sem o risco de subversão da via recuperacional como um instrumento à frustração de pretensões fiscais legítimas, em abuso de direito pelo viés do desvio de finalidade do instituto.

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