Segundo especialistas, fusão mal planejada e falta de estratégia nacional derrubaram empresa, que hoje acumula R$ 6 bilhões em dívidas
Fonte: O Tempo – 20/09/2021.
Analistas do mercado varejista concordam que os anos mais recentes da Ricardo Eletro estão longe de ser um case de sucesso e apontam que a raiz de problemas que levaram ao processo de recuperação judicial da empresa é antiga, pelo menos desde 2010 – quando Ricardo Nunes, preso recentemente e que hoje dá curso de empreendedorismo pela internet, ainda estava à frente da empresa.
Com ambições de nacionalização e crescimento, naquele ano Nunes deu seu primeiro passo rumo às fusões que geraram a Máquina de Vendas – empresa que, hoje, tem dívidas na casa de R$ 6 bilhões.
A junção da Ricardo Eletro com a potência nordestina Insinuante não foi a primeira ou última fusão de grandes empresas do varejo. Mas, na perspectiva do professor de MBA em gestão comercial da Fundação Getulio Vargas (FGV) Roberto Kanter, foi um movimento malplanejado.
Processos de fusão não são fáceis. A cultura de uma empresa come planejamento e estratégia no café da manhã, ou seja, a cultura da Ricardo Eletro podia dar certo em Belo Horizonte, São Paulo, mas não necessariamente funcionaria na Bahia, por exemplo, onde estavam lojas da Insinuante.
Processos logísticos e até linguagem publicitária diferentes entre as empresas do grupo ficaram no caminho do bom funcionamento, o que pessoas que trabalharam na própria empresa também reforçam.
O autor e professor da pós-graduação da ESPM Dino Gueno foi gerente de marketing da companhia em 2016, após anos à frente da City Lar, uma das empresas da Máquina de Vendas, e conta que o período de fusão foi caótico.
“O funcionário da City Lar, de repente, não conhecia a cultura da própria empresa, que agora era Ricardo Eletro. A Ricardo Eletro acabou perdendo a identidade que tinha regionalmente e não conseguiu uma identidade nacional”, conta Gueno.
Sócio da consultora Performa Partners, André Pimentel diz que, mesmo sem os entraves da fusão, o modelo da Ricardo Eletro apresentava falhas.
Baseado na compra em larga escala na indústria para oferecer grandes descontos, as lojas enfrentavam falta de produtos nas gôndolas e apostavam pouco na inovação dos itens.
Além disso, em um momento em que a Magalu, por exemplo, começava o investimento massivo no meio digital, a Ricardo Eletro ainda patinava. “A trajetória da companhia não teria sido como foi se já viesse dando certo antes, com o mesmo gestor”, conclui o especialista. A reportagem não conseguiu contato com a Máquina de Vendas.
EMPRESA ESTÁ EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A Ricardo Eletro continua a ser associada à imagem do fundador. Até o perfil de Nunes no Instagram leva o “Eletro” no nome. A união dos dois foi um trunfo publicitário, mas que, após processos na Justiça e a crise da Máquina de Vendas, tornou-se problemática.
O problema não é ser um ícone da marca, porque temos bons exemplos que deram certo. Mas, depois que o negócio deu errado, a imagem de Nunes como executivo ficou manchada.
“Ele mudou a forma de comunicação do varejo, e tudo veio da cabeça dele, mesmo com agências maravilhosas. Ele determinava até o tom de voz do locutor dos comerciais”, lembra. Porém, Gueno avalia que a empresa não poderia manter o mesmo tom.
“O formato que fez sucesso com o Ricardo há dez anos, com gritaria e comercial barulhento, baseado em preço, teria que ser reinventado. O consumidor não quer só preço hoje, mas disponibilidade do produto e capacidade de entrega”, pontua.
A Máquina de Vendas está em recuperação judicial, a maior da história do país, desde agosto de 2020, e já não existem lojas físicas da Ricardo Eletro.
Atualmente, o site da empresa tem apenas um banner prometendo novidades. As redes sociais estão paradas desde novembro. “Recuperação judicial é uma coisa, mas ressuscitação judicial, nunca vi”, diz André Pimentel, da Performa Partners.
“Querem criar outro negócio com o mesmo nome, mas aquele, que existia, desapareceu”, diz.