A recuperação judicial é um processo que, apesar de existir há um tempo considerável (instituído em 2005 pela Lei 11.101), ainda parece acontecer sob o mando do desconhecido no Brasil. Em linhas gerais, o objetivo da recuperação judicial é brecar o processo de falência de uma empresa. Desta forma, não só evita a quebra da organização, como também minimiza as chances de trabalhadores perderem empregos ou deixar que consumidores fiquem sem produtos ou serviços, fornecedores sem clientes e o Estado sem arrecadação de impostos.
Mesmo ocupando o posto de um assunto pouco explorado, empresas de tamanhos diversos têm buscado na recuperação judicial um caminho para organizar a vida financeira com a negociação de dívidas. De acordo com o Serasa Experian, que faz levantamentos financeiros, de janeiro a fevereiro deste ano, os pedidos de recuperação aumentaram em 83,7%.
COMO OCORRE UM PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E QUEM COORDENA?
Todos os passos trilhados no caminho da recuperação são assistidos pela Justiça. Pode-se explicar, de forma a facilitar a compreensão, que a recuperação judicial é uma versão modernizada da antiga Lei da concordata, um artifício já marcado pela obsolescência. Para um procedimento de sucesso, é necessário cumprir todas as etapas, cuja gênese é o próprio pedido, feito pela empresa em crise à justiça. Ela deve explicar as razões que a levaram para esse momento delicado e apresentar as demonstrações contábeis dos últimos três anos, além da relação de credores, entre outros documentos. Em caso de um parecer positivo do juiz, acontece uma suspensão de processos por 180 dias. Agora, também existe a possibilidade de prorrogar esse prazo, em alguns casos, para mais 180 dias.
Nesse ínterim, é levantado um administrador judicial, que será responsável pela fiscalização e também pela intermediação com o grupo de credores. Neste momento é importante avaliar a possibilidade de contratação de pessoa jurídica, especializada na função, para realizar esse “meio de campo”. É na próxima etapa que a organização recuperanda apresenta uma proposta, ou seja, o plano de recuperação judicial, em até 60 dias, visando a negociação de dívidas.
O procedimento mantém a empresa ativa ao mesmo tempo em que esta recebe oxigênio para engendrar as ações dos próximos passos. No plano, é essencial que as metas sejam factíveis. Via de regra, as propostas mais usuais são parcelamento de dívidas, fusão com outras empresas, inclusão de credores como sócios, divisão da organização e negociação com sindicatos.
QUEM DECIDE SE UM PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL É APROVADO OU NÃO? E QUAIS AS REGRAS?
Após essa importante fase, é que ocorre a famigerada Assembleia-Geral de credores, cuja reunião marca o momento em que pessoas e/ou empresas com valores a receber votam a proposta. O juiz concede um prazo de 30 dias para que estes apresentem suas objeções e, caso não haja, o plano de recuperação judicial é aprovado. Vale lembrar que os credores são ordenados em quatro classes, sendo elas: 1ª classe: créditos trabalhistas e de acidente do trabalho; 2ª classe: Credores com Garantia Real (créditos com alguma garantia especial, como um imóvel), 3ª classe: Credores Quirografários (créditos sem garantia especial); 4ª classe: Créditos de Credores EPP / ME (créditos a micro ou pequena empresa).
Aqui teremos o resultado definitivo do futuro daquele que solicitou a recuperação judicial. Em caso de plano aprovado, os responsáveis pelo negócio darão continuidade à reestruturação, respeitando o acordo realizado. A justiça acompanha o processo por dois anos, o que não quer dizer que a execução de todo o planejamento será feita neste período. Geralmente, leva-se muito tempo, até que seja cumprido em sua totalidade.
Para tanto, é necessário que os credores sigam as regras de votação do plano. As classes 1 e 4 votam “por cabeça”, isto significa que, independente do valor do crédito de cada integrante, a aprovação da proposta apresentada será feita por maioria simples de todos os credores presentes na assembleia.
No caso das classes 2 e 3, o valor dos créditos é considerado decisivo. A proposta será aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos e que estejam presentes na assembleia. Também valerá a maioria simples dos presentes.
Vale o destaque para as demais atividades exercidas durante a assembleia. Entre elas, está a escolha do administrador judicial nos casos em que os administradores da empresa recuperanda estão afastados durante o período.
Em caso de descumprimento do que ficou acordado entre as partes, os credores podem solicitar a falência. Na contramão da resposta positiva, se o plano for recusado, ocorre o encerramento das atividades e todos os bens são leiloados. Para além disso, a quitação das dívidas é feita por ordem de preferência e os credores podem disputar, também, aquilo que sobrou.
Outro ponto importante e que mostra como a alternativa é adequada para o soerguimento de empresas, é que a recuperação judicial ganhou novos contornos e instrumentos com as mudanças trazidas pela Lei 14.112/2020 (nova Lei de Falências), sancionada em 24 de dezembro de 2020. Com ela, os processos foram simplificados. A renovação facilitou as negociações extrajudiciais entre as partes envolvidas (credores e empresa devedora), incluindo os débitos trabalhistas. O quórum para a aprovação de uma reestruturação também diminuiu (casos sem intervenção da Justiça) de 66% para 50% dos credores, além da possibilidade de empréstimos especiais para grupos em recuperação judicial.
Com base na crise econômica de 2015 e 2016 – uma das mais agudas enfrentadas pelos brasileiros – cujo número de pedidos de recuperação foi bastante relevante, as projeções para esse ano dão conta de que será possível despontar um aumento de 53%, em relação ao ano passado, nos pedidos de recuperação judicial. Isso acontece como resultado direto da crise sem precedentes causada pela pandemia do novo coronavírus, principalmente no que tange às pequenas e médias empresas. Em 2015, por exemplo, as solicitações de recuperação judicial cresceram 55,4% em relação a 2014. O que há em comum entre 2015 e 2021, além das crises? Certamente, a chance de reerguer os negócios por meio da recuperação judicial e fugir da falência.
QUAL O DESÁGIO PERMITIDO SOBRE AS DÍVIDAS EM UMA RECUPERAÇÃO JUDICIAL?
Basicamente, deságio em recuperação judicial é quando a empresa recuperanda apresenta alguma proposta de desconto para pagamento dos créditos no próprio plano de recuperação. Não existe uma regra definida para delimitar um valor máximo de deságio, isso dependerá do que ficar acordado entre as partes: empresa e credores.
Para exemplificar, vejamos o novo plano de recuperação judicial da Livraria Cultura, aprovado recentemente. As condições são mais favoráveis aos credores incentivadores, cujo deságio pode chegar a 30% (ou seja, seria como 30% de desconto sobre o valor da dívida), além de prazos mais curtos. Os credores incentivadores são aqueles que seguiram atendendo a empresa, mesmo após o pedido de recuperação judicial. Já no caso de credores comuns, o deságio pode atingir 80%, dependendo de sua classificação.
Nos diversos cases de sucesso recentes de recuperação judicial assessorados pela Quist Investimentos, credores chegaram a um comum acordo do atual momento da empresa e, em linha com o plano de reestruturação que lhes foi apresentado durante a Assembléia Geral de Credores, entenderam que, em alguns casos um deságio superior a 70% (chegando a 90% casos mais específicos) nas classes II, III e IV, conciliado com uma carência e um prazo que cabem no orçamento atual do grupo, era necessário para que o grupo conseguisse arcar com as dívidas de forma definitiva.
AFINAL, QUEM PODE PEDIR RECUPERAÇÃO JUDICIAL?
Quando emerge a necessidade de tratar sobre recuperação judicial, uma questão predominante é a que se refere aos requisitos para solicitá-la. Afinal, quem pode solicitar o recurso? De maneira geral, os grupos empresariais e empresários individuais estão dentro do escopo de aceitação. Este último, só poderá realizar o pedido caso tenha atividades registradas há mais de dois anos.
Outra dúvida insistente que ronda o universo da regularização é aquela concernente às pessoas físicas. Estas não estão autorizadas a recorrer à recuperação judicial, já que a negociação de dívidas nesses casos faz parte de procedimentos completamente diferentes e não relacionados ao assunto. A exceção, neste caso, está para o produtor rural, que pode contar com a ajuda, ainda que atue na condição de PF.
Vale ressaltar que, mesmo dentro desse grupo, há ressalvas. Associações, Organizações Não Governamentais (ONG), empresas públicas, instituições financeiras e sociedades de economia mista não estão passíveis de realizar pedido de recuperação judicial. Se a empresa tiver sócio majoritário ou administrador condenado por crimes previstos na Lei de Recuperação de Empresas, a organização também pode descartar a possibilidade de recuperação judicial.
Em suma, os pedidos de recuperação judicial podem ser feitos por grupos empresariais e empresários individuais, desde que tenham registro há mais de dois anos. Pessoas Físicas não podem solicitar recuperação judicial, a exceção é somente para o produtor rural, que mesmo registrado como PF, geralmente, trabalha com procedimentos de empresa.
QUAL O FUTURO DA ECONOMIA BRASILEIRA NESTES TEMPOS?
Em tempos de pandemia, presenciamos dificuldades de todos os lados. As medidas restritivas, extremamente necessárias, ajudam a controlar a disseminação do vírus, mas, em contrapartida, causam uma queda drástica nos números da economia. Sem pessoas circulando e empresas obrigadas a pausar suas atividades, faltam desde matéria-prima até o consumidor final. A reinvenção foi a palavra-chave do momento e, em alguma medida, todos precisaram buscar alternativas.
Neste sentido, é muito importante salientar ações que contribuiram para que menos empresas trilhassem o caminho da falência. A Recomendação 63, por exemplo, do Conselho Nacional de Justiça, do final de março de 2020, serve como orientação para que juízes adotem medidas que atenuem as consequências da Covid-19 nas empresas recuperandas, minorando casos cuja recuperação não foi possível.
Com essa medida, também tornou-se possível uma readaptação do plano, desde que seja comprovada que a empresa já não tem condições de cumprir o que fora acordado. O stay period também sofreu alterações, já que há uma grande possibilidade de ser flexibilizado, a partir de então. Tudo isso, a partir de comprovações concretas a fim de evitar fraudes.
Todas as ações corroboram para o soerguimento da economia brasileira, em todo o seu conjunto. Mais do que nunca, será necessária uma união de esforços, envolvendo governos, justiça, empresas e população, a fim de que o Brasil possa, novamente, voltar à rota do crescimento. Vivemos a pior pandemia do século e nada será como antes. Desta forma, readaptação e muito trabalho serão essenciais para escrever novos capítulos da história.
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Por: Gabriela Alves – Content Specialist at Quist Investimentos