Corte entendeu que a Hotéis Othon deveria ter apresentado certidão de regularidade fiscal
Fonte: Valor Econômico – 21/04/2021.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) interrompeu a recuperação judicial da Hotéis Othon em razão de dívidas tributárias. A decisão, unânime, levou em consideração as alterações trazidas pela nova Lei de Falências. A tradicional rede carioca, com dez unidades em diferentes Estados, entrou com o processo em novembro de 2018 e conseguiu aprovar o plano de pagamento aos credores em fevereiro de 2019.
Essa é a primeira decisão que se tem notícia desde que a nova lei entrou em vigor, no dia 23 de janeiro. Os desembargadores da 16ª Câmara Cível, ao analisarem pedido da União, consideraram que, para ter o plano homologado pela Justiça, a empresa deveria, obrigatoriamente, ter apresentado a certidão de regularidade fiscal.
A exigência do documento sempre constou em lei — desde 2005 — como um dos requisitos ao processo de recuperação. Mas essa regra era flexibilizada pelo Judiciário. Os juízes argumentavam que não havia um parcelamento de dívidas tributárias adequado para as empresas em recuperação e deixavam o processo seguir sem a exigência de regularidade fiscal.
Com a nova lei (nº 14.112, de 2020), no entanto, essa argumentação deixa de existir. As empresas em recuperação agora têm opções. Podem escolher entre duas modalidades de parcelamento: em até 120 vezes ou usar prejuízo fiscal para cobrir 30% da dívida e parcelar o restante em até 84 meses.
As empresas, além disso, passaram a ter mais vantagens nas chamadas transações tributárias — quando o contribuinte senta à mesa para negociar com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). As dívidas podem ser pagas em até 120 meses e com até 70% de descontos em juros e multas. Os demais contribuintes, aqueles que não estão em processo de recuperação, conseguem, no máximo, 50% e parcelamento em até 84 vezes.
Esperava-se que, com a nova lei, os tribunais começassem a exigir a regularidade fiscal das empresas que estão entrando em recuperação. Isso por causa do momento em que a certidão tem de ser apresentada. O documento é exigido somente para a etapa de homologação do plano que foi aprovado pelos credores.
Havia dúvidas, porém, sobre qual seria o comportamento dos juízes em relação às empresas com processos em curso, aquelas que tiveram os planos de pagamento homologados antes da nova lei e foram beneficiadas pela jurisprudência mais flexível — como no caso da Hotéis Othon.A nova lei não diferencia as situações. Pelo contrário, prevê um prazo limite para que as empresas com recuperações em curso possam se utilizar dos benefícios da transação. Consta no artigo 5º.
Para poder aproveitar o desconto de até 70% em juros e multas e parcelar as dívidas em até 120 meses, elas têm, obrigatoriamente, que apresentar uma proposta de acordo à PGFN até o dia 29 deste mês.
Depois desse prazo, perdem o direito à condição especial. Elas podem apresentar proposta de acordo, mas pela regra geral — que prevê o pagamento em menos meses e com descontos menores.
Entre os dias 23 de janeiro e 25 de março, segundo dados preliminares da PGFN, 47 empresas em recuperação judicial formalizaram a proposta de negociação dos seus débitos com o órgão. Desse total, haviam sido concluídas as análises e fechado acordo com 31 delas, o que totalizou R$ 99,2 milhões.
As dívidas fiscais da Hotéis Othon somam muito mais do que isso. A União afirma, no processo, que são R$ 770 milhões “sobre o qual nada se fala no pedido de recuperação”, o que, para o governo, reforça a percepção de que o procedimento estaria “servindo de instrumento de planejamento tributário e blindagem patrimonial”.
A empresa se defende. Diz que a conta apresentada pela União está “equivocada”. Afirma que “uma boa parte” não a pertence e outra, de R$ 340 milhões, seria objeto de discussão judicial e estaria garantida por penhora. A Hotéis Othon acrescenta ainda que no rol apresentado pela PGFN há valores já quitados e submetidos a parcelamentos do tipo Refis.
Os desembargadores da 16ª Câmara Cível não se sensibilizaram com essa argumentação. Eles dizem, na decisão, que cabe à empresa “buscar uma possível liminar para suspender a exigibilidade dos créditos tributários erroneamente inscritos, garantir os duvidosos e parcelar os incontroversos” (processo nº 0046087-14.2020.8.19.0000).
O relator do caso, desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, afirma, em seu voto, que quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por flexibilizar a exigência da certidão fiscal, no ano de 2013, ainda não tinham ocorrido mudanças legislativas importantes — entre elas, a edição da Lei nº 14.112, que entrou em vigor no dia 23 de janeiro.
“Ao promover reforma substancial da Lei de Recuperações e Falências e de outras leis especiais, manteve a exigência de regularidade fiscal para o deferimento da recuperação judicial, garantindo a ampliação do prazo para a quitação do débito em até 120 meses”, diz o relator.
Em nota, a PGFN afirma que “tem interesse na participação efetiva de soerguimento da atividade empresarial” e que esse posicionamento está refletido nos atuais regulamentos relacionados à transação de débitos de contribuintes em processo de recuperação judicial.“
Muito embora os créditos fiscais não se submetam ao plano de recuperação judicial, a exigência de apresentação das certidões de regularidade fiscal busca assegurar a negociação também das dívidas públicas e não apenas dos débitos privados, como o único modo de demonstrar a verdadeira viabilidade de recuperação da crise empresarial”, diz, também por nota, a procuradora Andréa Borges Araújo, que atuou no caso da Hotéis Othon.